Daqui do meu quarto eu posso ouvir a panela chiar. Aí não demora muito pra uma canção-chorada ecoar triste aqui em mim. Vem batendo parede-em-parede e desagua seca nos meus ouvidos.
Quando eu era menor, conseguia fingir que não me importava, brincava com barquinhos de papel que navegavam nas lágrimas da minha mãe. Era mais divertido do que brincar na banheira porque água de lágrima é salgada.
Eu tento trancar a porta do meu quarto, mas não adianta, alguém deu a chave para a panela, e ela entra, e entra o choro, e entra a tristeza, e entra-e-fica, e as vezes só o que não entra é a canção, mas o resto entra, e entra-e-fica. Quando é assim, eu rezo pra Santo Expedito (a minha causa pode não ser justa, mas tenho urgência), rezo pra ele me salvar, rezo pra ele tirar tudo que tem na minha cabeça, tudo-tudo, até o que tem de bom, mas quando eu abro o olho, depois da reza, eu vejo que não fui salvo, e que a panela ainda ta aqui, a panela eu não vejo, mas sei que ela ainda ta aqui.
O que me consola é que a panela bate-e-bate, mas nunca me mata. Às vezes eu até gostaria que ela me matasse, mas ela não mata, tem hora certa pra parar, pára na hora da graça, e pára com precisão, meio-dia é a hora sagrada.
Quando a panela pára, e pára o choro, e pára a tristeza, aí a gente senta à mesa, eu dou um beijo em minha mãe e procuro não olhar pros olhos dela, vermelho é uma cor que sempre me deixa triste.
A gente senta ali e ela canta, mas canta sem o choro, sem a tristeza e sem a panela. E não precisa de mais nada, a gente só aproveita esse tempo sorrindo em terra-firme. Em terra-firme não tem panela, nem tristeza e nem choro, tem ela, eu e a canção, às vezes tem o almoço, mas quando não tem eu já nem me incomodo mais.
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