sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Na dor e sem calor - Sentindo pena dói menos ainda

- De marreta é assim, filho, “levanta pra cima” e, quando desce, quem vem a baixo é o boi. É uma. E vai um. E vem outro. E outra. E vai o outro. E mais um. E mais uma. E é uma só porque o pai tem pena deles, filho.
E depois “da uma” vem a faca – se não morreu “na uma” morre na faca.
Passa a faca e deixa de pata pra cima, o sangue sai do buraco e entra no nariz pra sair no buraco de novo – se não morreu na faca morre no sangue.
Vez ou outra o pai pega uns boi brabo, filho, uns que não morrem nem na marreta, nem na faca e nem no sangue, mas aí, depois do sangue, o pai tem que tirar tudo que tem dentro, pra vender separado pro moço do açougue e, se não morreu antes, morre agora. Desses eu sinto mais pena. Esses morrem vazios e ainda por cima sentem o vazio... se sentem vazios – dizem que o vazio de dentro é o pior.

- E eles gritam porque dói, né pai?

- Doer, dói, mas ia doer mais se o moço do açougue chegasse aqui e não tivesse boi pra eu vender, ia doer mais porque ia doer na gente, filho.
Agora vai pra dentro de casa, amanhã o pai te ensina como sentir pena deles – sentindo pena dói menos ainda.

3 comentários:

José Antonio Magalhães disse...

Te digo que não é brincadeira que eu gostei disso aqui!

Se sobrar tempo, trata de não deixar cair a petéca

Abraço

Gustavo disse...

Nossa que texto bom. Parabéns.

(Salvador) disse...

Muito obrigado, gurizada!
ando meio desanimado pra escrever, mas sinto muita saudade. pretendo riscar o papel mais seguido!